Fluminense vive noite quase irreparável, com a assinatura da perna esquerda de Marcelo

Durante praticamente metade da vida, Marcelo entrou em campo para jogar futebol no estádio Santiago Bernabéu, em Madrid, na Espanha. Criado no Fluminense, havia desfrutado por muito pouco tempo da camisa tricolor, pois seu talento invejável foi percebido muito cedo. Após uma vida europeia, idolatria no clube mais poderoso do mundo e títulos em profusão, eis que o lateral-esquerdo entrou em campo no estádio Nacional de Lima para reencontrar de fato e de direito as três cores que lhe arremessaram no mundo. Tudo, portanto, era prefácio para essa noite peruana: o homem que retorna sabe de onde saiu.

O que realmente nunca ameaçou sair é a bola que Marcelo carrega entranhada no corpo. Os canhotos costumam ter essa qualidade específica: nasceram “tortos”, à feição para um esporte que tem apreço pelos enviesados. A estreia que já se caracterizava pelo reencontro e pela cátedra evidente tomou ares mágicos no passe de Marcelo que originou o gol da virada tricolor — um tapa com o lado externo do pé que descobriu o arredio Arias infiltrando-se na área, e daí para o insaciável Germán Cano. Há quem diga que esse tipo de coisa faz o futebol parecer fácil. É bem pelo contrário: o passe de Marcelo torna evidente como tudo (no campo e na vida) é difícil para quem não tem o futebol bordado na panturrilha.

O passe de Marcelo e a atuação do Fluminense em toda a partida garantiram uma vitória fundamental para construir uma campanha tranquila em um grupo que se anuncia complicado — e mais complicado ainda se tornou depois que o The Strongest fez de gato e sapato o River Plate. Desde os primeiros minutos, o Fluminense mostrou-se senhor das ações diante de um Sporting Cristal que, treinado por Tiago Nunes, está longe de ser desprezível. As chances incrivelmente desperdiçadas por Cano, justamente ele, no começo do jogo e a abertura do placar pelos peruanos davam ao encontro um ar de incredulidade, que durou pouco.

É verdade que, pensando mais adiante na Libertadores, a equipe de Fernando Diniz pode naufragar se repetir aquela displicência inicial ou caso se apegue a caprichos como escalar Felipe Melo em jogos que exigem velocidade. Coisas assim passam impune apenas uma vez. São os poucos reparos que a noite peruana deixa em uma atuação mais do que convincente, que autoriza qualquer otimismo tricolor, mesmo os mais desvairados. Porque a melhor versão desse Fluminense sempre parece jogar buscando fazer história — e, desde ontem, com a assinatura da perna esquerda de Marcelo.

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